24 janeiro 2006

Espírito santo, um estado sem memória.

Espírito Santo, a state without memory
Sandro José da Silva
O Espírito Santo ainda celebra a predação da natureza como um grande negócio, impondo de tempos em tempos o desastre dos grandes projetos para a sociedade.

O Espírito Santo ainda celebra a predação da natureza como um grande negócio, impondo de tempos em tempos o desastre dos grandes projetos para a sociedade.Na manhã do dia 20 de janeiro de 2006 repetiram-se os atos de violência contra as populações indígenas no Espírito Santo em favor do modelo de desenvolvimento predador adotado pelo estado. Uma liminar expedida a mais de um mês foi executada covardemente e sem aviso numa sexta-feira enquanto as aldeias Córrego D’Ouro e Olho D´Água, localizadas no município de Aracruz-ES, acordavam. Venho acompanhando a questão indígena neste estado pessoalmente há 10 anos e pelos documentos desde o século XIX. Em uma palavra poderiam ser resumidas as dezenas de atos do poder público e da iniciativa privada contra estes povos: violência.
Deixando o cenário colonial de incontáveis “guerras justas” contra os índios, chegamos até a república marcada por tristes cenários. Inicialmente uma empresa colonial que apagou os direitos tradicionais indígenas em favor de um modelo de ocupação fundamentada na eugenia e propriedade privada da terra, depois um esforço enorme em “integrar” as populações que ficaram a margem da via nacionalista convertendo-as de populações tradicionais a trabalhadores assalariados. Sob a perspectiva militarista desde Getúlio até a ditadura os “índios” passaram a figurar como mais uma cor em nossa bandeira, mas sem nenhum direito garantido, haja visto os atos que os trataram como gado que podia ser deslocado quando estes ameaçassem o “desenvolvimento nacional”.
Os Tupinikim e Guarani experimentaram dolorosamente todos estes momentos vendo, a cada dia, sua comunidade se esfacelar, ficando pelo caminho, se perdendo sem voz. A pergunta que todos eles fazem é o porquê ainda continuam sendo expulsos de suas terras, uma vez que o próprio Estado brasileiro reconhece seus direitos étnicos e territoriais?
No caso do Espírito Santo a reposta combina uma elite política irresponsável e gananciosa, uma apropriação empresarial da coisa pública e uma justiça despreocupada, juntos numa predação da natureza sem precedentes no Brasil desde o ciclo do Pau Brasil, do Ouro, e da Amazônia! Para termos uma idéia do que estou falando o município de Conceição da Barra, localizado no Norte do Espírito Santo tem cerca de 70 por cento de suas terras ocupadas com monocultivo de eucalipto!
Enquanto o Brasil trata de colocar em prática o reconhecimento dos direitos tradicionais expostos nos artigos 68, 215 e 216 da Constituição Federal, criar uma legislação que contemple a diversidade cultural e os direitos subjacentes a ela, o Espírito Santo não abre mão de tratar as populações tradicionais mais como parque de diversões que pode ser explorado turisticamente ou nos jingles oficiais do que uma sociedade humana detentora de direitos.
Um paradoxo ao menos perverso: de um lado os grupos tradicionais são apresentados no site oficial como uma espécie de zoológico ou parque de diversões e de outro não tem o reconhecimento pela administração pública nos simples atos do cotidiano como saúde e educação e chegam as ser violentados em seus direitos com o uso de força policial. Se não fosse o espírito de luta secular das populações tradicionais no Espírito Santo elas já estariam reduzidas ao que a administração pública mais gosta: peças de museu.
Apesar de sofrerem todos os dias os efeitos da violência do Estado e de conviverem com situações de estresse, poluição e ameaças as populações tradicionais mostram com seu pleito por justiça denunciam a tranqüilidade com que o Espírito Santo vem se convertendo em um “negócio de sucesso”. É por meio de sua luta que podemos visualizar como a natureza está se tornando um negócio privado entre grupos empresariais com o respaldo do poder público.
O Espírito Santo ainda celebra a predação da natureza como um grande negócio, impondo de tempos em tempos o desastre dos grandes projetos para a sociedade. No “ambiente democrático” criado pela administração pública faltam muitos acentos para vozes dissonantes, mas multiplicam-se as formas de predação do passado.

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