Sandro José da Silva (DCSO-UFES)
As transformações por que passa a Universidade no Brasil precisam ser pensadas com urgência. As diretrizes da reforma universitária em trâmite no Congresso não estão sendo discutidas na base: nós, professores e alunos. Embora o projeto afirme as atividades fins da Universidade, estas estão sendo ultrapassadas pelas questões como o financiamento, perdendo o foco de sua responsabilidade com a sociedade. (Ver as contribuições ao debate em: http://www.andes.org.br e http://www.andifes.org.br/files/Revista.pdf. Agradeço a Mauro Petersem os comentários)
Lembremos ainda que a reforma universitária proposta pela ANDIFES se assenta em três eixos, a saber: "(i) constituir um sólido marco regulatório para a educação superior no País; (ii) assegurar a autonomia universitária prevista no art. 207 da Constituição, tanto para o setor privado quanto para o setor público, preconizando um sistema de financiamento consistente e responsável para o parque universitário federal, e; (iii) consolidar a responsabilidade social da educação superior, mediante princípios normativos e assistência estudantil."
Nas últimas semanas do mês de Junho o CCHN da UFES foi pego de surpresa com a proposta da Aracruz Celulose S/A financiar atividades de ensino, pesquisa e extensão. A questão central que vem sendo colocada por professores e alunos não é tanto sobre as intenções da UFES – continuar respirando -, mas sobre as da empresa; afinal de contas, como pensar ensino, extensão e pesquisa com autonomia face a incentivos privados?
Este atalho para a vida universitária precisa ser discutido em pelo menos dois pontos: a) a UFES deve garantir sua autonomia de forma reflexiva e b) a UFES deve repensar seu projeto junto à sociedade capixaba. Notemos ainda o parecer da ANDES sobre as questões relativas ao financiamento por parte de entidades privadas
"Ficou evidente, neste período, que não existem argumentos acadêmicos a legitimar a necessidade de fundações privadas em uma universidade pública e, ainda, que as fundações privadas, criadas com o pretexto de contornar dificuldades de natureza administrativa e entraves legais, acabaram por gerar enormes distorções nas atividades de ensino, pesquisa e extensão desenvolvidas na universidade, submetendo-as à lógica do mercado e suas prioridades, incompatíveis com a atividade acadêmica crítica e socialmente referenciada que é parte central das obrigações da universidade pública."(ANDES)
A preocupação não é descabida; segundo a ANDES houve um grande crescimento, “tanto no número de Fundações de Apoio – leia-se financiamento privado às IFES - quanto no âmbito de atuação de cada uma delas" entre as décadas de 1980 e 1990 (Idem). Qual a razão desse crescimento? Quem tem acesso a essas formas de financiamento? Quem é financiado por esses recursos? Quem se beneficia desses recursos?
Em muitas situações, o que chamamos "inovação tecnológica" tem servido de certificação de empresas privadas sem que as conseqüências dessas “inovações” sejam avaliadas. Neste sentido é bem possível que UFES seja chamada a responder por danos que ela própria causou ao meio ambiente em função de pesquisas anteriores. Bom, se aquilo render um bom número de bolsas, publicações, revistas, pós-doc, que seja! Esta postura nunca foi avaliada de fato e os financiamentos às nossas pesquisas sempre foram bem vindos, independente e uma reflexão crítica sobre o que elas ajudaram a produzir.
De fato, o abandono da UFES à sua própria sorte e à mercê de recursos privados coloca questões éticas sobre as responsabilidades que a Universidade tem em relação à comunidade acadêmica e à própria sociedade civil. A UFES não pode tratar o termo "autonomia" (art. 207 da CF) em relação à sua inserção na sociedade em termos de um descolamento das questões políticas e sociais. A experiência tem mostrado que a participação da comunidade acadêmica e de representantes da sociedade civil na gestão das instituições sequer é pensada, pois esta poderia atrapalhar este conceito de "autonomia".
O Governo Federal editou o Decreto nº 5.025, que esclarece o conceito de ""desenvolvimento institucional", presente na Lei, exigindo que os projetos dessa natureza sejam consignados nos PDIs aprovados pelos Conselhos Superiores das instituições apoiadas"(ANDIFES).
Em que medida a UFES tem se preocupado com estas questões? Se olharmos para o passado e o presente, veremos que a sociedade civil tem arcado com o ônus desse conceito de "autonomia" e não parece que tenha havido uma mudança de rumos, como atesta a proposta da Aracruz Celulose, prontamente acatada entre nós. A ausência de debates e de audiências democráticas é o maior sintoma disto.
A “sustentabilidade” da monocultura do eucalipto se nutre da pobreza, da desterritorialização, do etnocídio, da perda da diversidade biológica, da violação de direitos humanos. Este outro lado, no entanto, ainda é invisível aos olhos dos poderes públicos e da mídia. Um pouco de história bastaria para caracterizar esta presença predatória no estado. Se, por um lado, o estado e suas elites conseguiram projeção internacional no mundo dos negócios, por outro, acumulamos um passivo em relação aos direitos humanos e ambientais que é incalculável como o tem demonstrado os movimentos camponeses.
Ao longo destas quatro décadas a UFES nunca se permitiu indagar-se sobre a presença deste modelo predatório de desenvolvimento que teve início com o aval da ditadura militar. Hoje a UFES é chamada publicamente a dar chancela acadêmica a um negócio de R$ 1,2 bilhão e com um passivo social e ambiental que deveria nos causar vergonha.
No plano da autoridade pública, o governo do estado foi tomado de assalto pelo mundo dos negócios, e a construção dessa hegemonia sempre pode contar com a assinatura da UFES. A eficiência no acompanhar a pauta do "desenvolvimento sustentado" cínico proposto pelos empresários há décadas é paralela à incompetência demonstrada na discussão dos Direitos Humanos no que se refere a danos ambientais e prejuízos causados a grupos étnicos, por exemplo. Isto talvez explique o baixo interesse da instituição em temas relacionados aos Direitos Humanos e ambientais quando se avalia a produção acadêmica na UFES.
As sociedades tradicionais têm sido tratadas como um item do folclore local ou como um estorvo ao modelo de desenvolvimento, no entanto elas não abrem mão em mostrar-se como portadoras de direitos, como sujeitos históricos. Mais um capítulo dessa novela veio hoje à luz, quando se tornaram públicas as denúncias contra o monocultivo de eucalipto; matéria publicada na Folha Online nos diz que "O Ministério Público em São Mateus (ES) entrou hoje com uma ação civil na Justiça Federal com um pedido de indenização de R$ 1 milhão para as comunidades indígenas do município de Aracruz (ES), por danos morais coletivos. A ação se refere a uma operação de reintegração de posse em favor da empresa Aracruz Celulose, em janeiro deste ano. (...) Ministério cita como exemplo o "disparo de tiros de borracha à queima roupa e de "relação espúria" com uma das partes interessadas, como a utilização de instalações da empresa Aracruz como "base de operações" (Veja matéria em http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u80143.shtml )
Se o mundo dos negócios precisa de "paz" para prosperar, ela não deve vir através da compra da omissão de quem a sociedade espera um compromisso ético com a construção de mundo mais justo. -- Sandro José da Silvaantropologias.blogspot.com
As transformações por que passa a Universidade no Brasil precisam ser pensadas com urgência. As diretrizes da reforma universitária em trâmite no Congresso não estão sendo discutidas na base: nós, professores e alunos. Embora o projeto afirme as atividades fins da Universidade, estas estão sendo ultrapassadas pelas questões como o financiamento, perdendo o foco de sua responsabilidade com a sociedade. (Ver as contribuições ao debate em: http://www.andes.org.br e http://www.andifes.org.br/files/Revista.pdf. Agradeço a Mauro Petersem os comentários)
Lembremos ainda que a reforma universitária proposta pela ANDIFES se assenta em três eixos, a saber: "(i) constituir um sólido marco regulatório para a educação superior no País; (ii) assegurar a autonomia universitária prevista no art. 207 da Constituição, tanto para o setor privado quanto para o setor público, preconizando um sistema de financiamento consistente e responsável para o parque universitário federal, e; (iii) consolidar a responsabilidade social da educação superior, mediante princípios normativos e assistência estudantil."
Nas últimas semanas do mês de Junho o CCHN da UFES foi pego de surpresa com a proposta da Aracruz Celulose S/A financiar atividades de ensino, pesquisa e extensão. A questão central que vem sendo colocada por professores e alunos não é tanto sobre as intenções da UFES – continuar respirando -, mas sobre as da empresa; afinal de contas, como pensar ensino, extensão e pesquisa com autonomia face a incentivos privados?
Este atalho para a vida universitária precisa ser discutido em pelo menos dois pontos: a) a UFES deve garantir sua autonomia de forma reflexiva e b) a UFES deve repensar seu projeto junto à sociedade capixaba. Notemos ainda o parecer da ANDES sobre as questões relativas ao financiamento por parte de entidades privadas
"Ficou evidente, neste período, que não existem argumentos acadêmicos a legitimar a necessidade de fundações privadas em uma universidade pública e, ainda, que as fundações privadas, criadas com o pretexto de contornar dificuldades de natureza administrativa e entraves legais, acabaram por gerar enormes distorções nas atividades de ensino, pesquisa e extensão desenvolvidas na universidade, submetendo-as à lógica do mercado e suas prioridades, incompatíveis com a atividade acadêmica crítica e socialmente referenciada que é parte central das obrigações da universidade pública."(ANDES)
A preocupação não é descabida; segundo a ANDES houve um grande crescimento, “tanto no número de Fundações de Apoio – leia-se financiamento privado às IFES - quanto no âmbito de atuação de cada uma delas" entre as décadas de 1980 e 1990 (Idem). Qual a razão desse crescimento? Quem tem acesso a essas formas de financiamento? Quem é financiado por esses recursos? Quem se beneficia desses recursos?
Em muitas situações, o que chamamos "inovação tecnológica" tem servido de certificação de empresas privadas sem que as conseqüências dessas “inovações” sejam avaliadas. Neste sentido é bem possível que UFES seja chamada a responder por danos que ela própria causou ao meio ambiente em função de pesquisas anteriores. Bom, se aquilo render um bom número de bolsas, publicações, revistas, pós-doc, que seja! Esta postura nunca foi avaliada de fato e os financiamentos às nossas pesquisas sempre foram bem vindos, independente e uma reflexão crítica sobre o que elas ajudaram a produzir.
De fato, o abandono da UFES à sua própria sorte e à mercê de recursos privados coloca questões éticas sobre as responsabilidades que a Universidade tem em relação à comunidade acadêmica e à própria sociedade civil. A UFES não pode tratar o termo "autonomia" (art. 207 da CF) em relação à sua inserção na sociedade em termos de um descolamento das questões políticas e sociais. A experiência tem mostrado que a participação da comunidade acadêmica e de representantes da sociedade civil na gestão das instituições sequer é pensada, pois esta poderia atrapalhar este conceito de "autonomia".
O Governo Federal editou o Decreto nº 5.025, que esclarece o conceito de ""desenvolvimento institucional", presente na Lei, exigindo que os projetos dessa natureza sejam consignados nos PDIs aprovados pelos Conselhos Superiores das instituições apoiadas"(ANDIFES).
Em que medida a UFES tem se preocupado com estas questões? Se olharmos para o passado e o presente, veremos que a sociedade civil tem arcado com o ônus desse conceito de "autonomia" e não parece que tenha havido uma mudança de rumos, como atesta a proposta da Aracruz Celulose, prontamente acatada entre nós. A ausência de debates e de audiências democráticas é o maior sintoma disto.
A “sustentabilidade” da monocultura do eucalipto se nutre da pobreza, da desterritorialização, do etnocídio, da perda da diversidade biológica, da violação de direitos humanos. Este outro lado, no entanto, ainda é invisível aos olhos dos poderes públicos e da mídia. Um pouco de história bastaria para caracterizar esta presença predatória no estado. Se, por um lado, o estado e suas elites conseguiram projeção internacional no mundo dos negócios, por outro, acumulamos um passivo em relação aos direitos humanos e ambientais que é incalculável como o tem demonstrado os movimentos camponeses.
Ao longo destas quatro décadas a UFES nunca se permitiu indagar-se sobre a presença deste modelo predatório de desenvolvimento que teve início com o aval da ditadura militar. Hoje a UFES é chamada publicamente a dar chancela acadêmica a um negócio de R$ 1,2 bilhão e com um passivo social e ambiental que deveria nos causar vergonha.
No plano da autoridade pública, o governo do estado foi tomado de assalto pelo mundo dos negócios, e a construção dessa hegemonia sempre pode contar com a assinatura da UFES. A eficiência no acompanhar a pauta do "desenvolvimento sustentado" cínico proposto pelos empresários há décadas é paralela à incompetência demonstrada na discussão dos Direitos Humanos no que se refere a danos ambientais e prejuízos causados a grupos étnicos, por exemplo. Isto talvez explique o baixo interesse da instituição em temas relacionados aos Direitos Humanos e ambientais quando se avalia a produção acadêmica na UFES.
As sociedades tradicionais têm sido tratadas como um item do folclore local ou como um estorvo ao modelo de desenvolvimento, no entanto elas não abrem mão em mostrar-se como portadoras de direitos, como sujeitos históricos. Mais um capítulo dessa novela veio hoje à luz, quando se tornaram públicas as denúncias contra o monocultivo de eucalipto; matéria publicada na Folha Online nos diz que "O Ministério Público em São Mateus (ES) entrou hoje com uma ação civil na Justiça Federal com um pedido de indenização de R$ 1 milhão para as comunidades indígenas do município de Aracruz (ES), por danos morais coletivos. A ação se refere a uma operação de reintegração de posse em favor da empresa Aracruz Celulose, em janeiro deste ano. (...) Ministério cita como exemplo o "disparo de tiros de borracha à queima roupa e de "relação espúria" com uma das partes interessadas, como a utilização de instalações da empresa Aracruz como "base de operações" (Veja matéria em http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u80143.shtml )
Se o mundo dos negócios precisa de "paz" para prosperar, ela não deve vir através da compra da omissão de quem a sociedade espera um compromisso ético com a construção de mundo mais justo. -- Sandro José da Silvaantropologias.blogspot.com
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