31 maio 2007

Justiça, a gente vê por aí.

ou, como viver em um país incolor.

Desculpem-me o tom genérico, mas eu não tenho dinheiro para indenizações.
A notícia é objetiva e sem interesses políticos. Quem acredita nesta máxima certamente não assiste à televisão, pois as emissoras em sua pretensão globalizante interferem na vida das pessoas e constroem uma estética incompatível com o cotidiano. Chamo a atenção para o desejo das emissoras de serem árbitros da vida dos brasileiros sem que o direito de resposta seja obedecido nos casos em que elas atuam como juízes. A televisão não é juiz, ela não escolhe os réus, ela não julga; o que ela transmite é uma fantasia montada em seus estúdios por pessoas que querem dinheiro e poder. Essa parece ser uma verdade esquecida pelo simulacro televisivo que criou uma blindagem em torno do que ela diz e escreve.
O corpo editorial com freqüência se manifesta com uma visão conservadora de temas conflitantes com sua visão de mundo a partir de lobbies e ancoras que aparecem como paladinos da liberdade e honradez: há até os que estão trocando de profissão, pois fazer TV dá mais dinheiro que fazer filmes! Para cada “assunto importante da vida” há um especialista ou uma câmera escondida para revelar a verdade; a verdade, que delícia!
Em livro recente um jornalista ridiculariza a luta de parcela da população por cotas raciais, esvaziando o debate democrático e alimentando a fantasia da igualdade de oportunidades brasileira: alguém precisa avisar a este moço que democracia não é a paz que ele quer, mas o conflito e o debate. O fato é que este senhor é também o editor do jornal da tarde da emissora, o que garante uma pauta nada menos contaminada pela sua perspectiva. Isso se mostra evidente na abordagem sobre comunidades tradicionais no Brasil. Uma emissora fez matéria onde pelo menos ridiculariza as comunidades quilombolas na Bahia que buscam há séculos seus direitos étnicos diante da justiça. Em outras oportunidades a emissora discrimina a luta indígena e simplesmente desconhece um Brasil que luta pelos seus direitos. O debate sobre discriminação vai continuar apesar do mundo incolor da televisão e não adianta me falar que vocês apresentam os fatos.
Que a televisão no Brasil foi um fruto da ditadura militar isso sabemos, mas o que nos deixa indignados são os conteúdos das emissoras e a visão anacrônica do que seja a nação e a cidadania, sub-representada em seus programas de “reabilitação de criminosos”. Os beneficiados pelo assistencialismo figuram na telinha como pessoas que “perderam a dignidade” e agora foram “resgatados” docilmente pela mão invisível do telespectador. Eles abriram mão de sua identidade racial, étnica e sexual e são os “carentes” tão ao gosto da telinha. Os jargões da caridade global são inúmeros e igualmente ambíguos: amigos disso, criança aquilo, escola cidadã e etc.
Que a televisão reproduz um desejo de paz social baseado no conforto das classes dominantes isso também não é novidade. Esta atitude tem gerado uma série de programas pelo menos ambíguos cuja visão de justiça mescla juízo de valor, moralidade burguesa e o desejo de produzir a verdade. Isso vai desde o “tira teima”, às lágrimas da biografia dos famosos, às caras e bocas de alguns apresentadores ou “a vida dura e simples do sertanejo”: a verdade está lá e ela vai ser revelada pela telinha.Um amigo chamou a atenção para o fato de que o maniqueísmo do que seja a democracia é uma tendência das emissoras que vem construindo uma pauta de participação esvaziada de conteúdo. Participar da vida pública tornou-se cada vez menos sair de casa e cada vez mais apertar o asterisco do telefone ou acessar o Chat para saber mais. Acontece que ainda há pessoas que querem saber mais indo às ruas questionando publicamente e reivindicando direitos a despeito da democracia blasé global.

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