20 janeiro 2009

O dicionário e eu


No Latim, estúpido vem de stupidu, que é traduzido como admirado. Realmente me sinto admirado. Porque a vida muda de repente. Porque as palavras podem ter outros significados. Porque é sempre preciso perguntar e desconfiar do que se ouviu ou pensa-se que ouviu. Estou admirado pela perda da voz, pelos passos não dados, pelo tempo que escorre, por mim que escorro nele. Admirado por poder dar mais um paço, por ainda não ter morrido, por ter deixado cúmplice de minha admiração aquela que palpita em minhas veias.

Mas estúpido também são adjetivo e sinônimo de falta de inteligência, de juízo ou discernimento. Também aqui eu me encontro meio rápido meio esquecido. Meio cego e cinza. Não consegui discernir entre ela e eu e morri em meu silêncio todos os dias: foram 120 dias de cegueira, silêncio e embrutecimento. Uma galeria de loucos gritam em minha cabeça. Mas agora quero renascer desta crisálida de horrores em que me criei. Sei que quando sair minhas asas serão ainda pequenas, quase evaporadas. Elas não serão promessas, nem verdades consolidadas por mim. Elas serão incertezas onde você estará presente com sua força. Como a natureza que encontra sempre um caminho.

Mas estúpido também é quem está sob a impressão de estupor. Nisso também vejo meus paços mancos, minhas pernas quebradas e meu andar quase sonolento em busca do caminho. Quem dorme, passa do tempo e acorda assustado. O que perdi, quanto me sobra, são as perguntas do tolo que engatinhando tateia o mundo que julga conhecer. São surdos seus ouvidos que sequer ouvem os próprios passos, sequer percebem seus gestos e mal traduzem o mundo em palavras que ela possa ouvi-las.

Mas estúpido também é estar atônito. Nisso não tenho dúvida. Aquele que perde a sanidade mal vê sua própria loucura, anda pelas ruas como um autômato. Andar a deriva: é isso que fiz nos últimos tempos. Quero curar a ferida e estancar o sangue. Mas antes quero a fonte que me trouxeram até estas chagas. Todas as coisas que eu olho agora têm uma cor que o tempo empalideceu e que minhas mãos não alcançaram. Elas parecem novas, mas escondem minha estupidez em sua minúcia. Tenho que olhar e re-olhar para elas sem que elas me enganem, sem que eu as disfarce, sem que meu amor pareça pequeno.

Por último o dicionário afirma que estúpido é também o entorpecido e insensível. Não foi à toa que deixei esta definição por último. Também não foi à toa que cheguei até aqui. Onde cheguei mesmo? Seja lá onde for o lugar ele foi cavado com as mãos dormentes dos que cavam e não sabem a hora de parar. Suas mãos sangram e ele não interrompe a faina de perder-se. Ele está lá dentro de seu poço e olha a pequena luz a metros de distância. A água sobe em suas pernas e logo ele estará afogado em suas lágrimas. Ele não consegue parar. O poço é em si enorme e faltam-lhe medidas para saber. Entendo as palavras. Elas são vida encarnada. A espera do meu e do seu viver para serem voz no tempo e nos corações. Que eu tenha ouvidos e que eles se mantenham ligados diretamente ao coração.

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