19 novembro 2010

Os quilombolas em 2011

Os quilombolas em 2011

"texto apresentado no VII Festival do Beiju, quilombo de São Cristóvão, São Mateus, ES"

A luta quilombola em todo o Brasil criou um arcabouço de leis e normas, políticas públicas e programas governamentais. O número de terras tituladas é, porém, ainda muito limitado. Ainda que o artigo 68 seja de 1988, a primeira titulação de uma terra quilombola deu-se somente em 1995. Tal inoperância reflete-se no desempenho orçamentário do Incra. Conforme nos informa a Comissão Pró-índio, desde 2004, o instituto não utiliza integralmente os recursos de seu orçamento destinados à titulação das terras quilombolas. Em 2004 utilizou apenas 10% do orçamento disponível; em 2005 somente 12%; em 2006 26%; e, em 2007 apenas 23%. Em 2008, somente 10% do orçamento disponível foi efetivamente empregado. O baixo desempenho manteve-se em 2009 apesar de o orçamento ter sido 35% menor que o de 2008, apenas 12% do valor disponível foi utilizado. Estes números refletem os 6% de terras tituladas das mais de 3000 ainda esperando o título.

No Espírito Santo os desafios não são menores. Embora o cenário seja um pouco diferente entre as regiões norte e sul, podemos afirmar que o racismo institucional impede ainda os governos de perceber que a luta quilombola é uma luta pela democratização do país.

Neste sentido, os quilombolas, especialmente da região do Sapê do Norte ainda enfrentam o poder das elites locais que impedem que os recursos públicos federais sejam aplicados em benefício das famílias quilombolas. Esta violação dos direitos quilombolas tem implicações perigosas, pois reforça a competição entre as comunidades, fragiliza as formas de representação dos quilombolas e impede a aplicação dos direitos da população negra por parte das instituições de direito.

Dois exemplos podem ilustrar a recusa dos direitos quilombolas. Embora o IDAF tenha sido repetidamente notificado sobre sua obrigação em prestar informações sobre as terras devolutas, seus dirigentes estão acomodados à ausência de interpelação judicial por parte dos órgãos competentes. Outro exemplo tem sido a prática do Ministério Público de promover audiências públicas para confrontar os quilombolas em situações de violação de seus direitos. Ao invés das audiências, o órgão poderia se dedicar a promover os direitos do patrimônio afro-brasileiro como indica a Constituição Federal, protegendo os direitos dos quilombolas.

Em recente processo de indenização dos quilombolas por violência policial, a lógica da recompensa financeira encobriu a visão sobre a punição por crime de racismo e a implantação do gasoduto em territórios quilombolas sequer obteve a atenção do MPF. Este cenário leva as famílias quilombolas à sensação de impunidade e ineficácia da justiça em relação aos seus direitos, bem como serve de porta de entrada para os interesses espúrios de empresas que corrompem lideranças em troca da danificação permanente do patrimônio afro-brasileiro, como o lixão em São Jorge.

Felizmente a palavra resistência é central na luta quilombola. Ela une homens, mulheres, as comunidades do Espírito Santo, do Brasil e das Américas. Quando o primeiro africano escravizado foi sequestrado para o Brasil, aí começou a luta e a resistência que levará até os quilombos de hoje. A luta quilombola deve ser vista como uma grande oportunidade de democratização do país, e deve ser amparado pelas instituições incumbidas de resguardar estes direitos. As organizações quilombolas devem ocupar mais espaço nas secretarias municipais e estaduais para garantir seus direitos, elas devem cobrar mais ações do INCRA e MPF para garantir o desenvolvimento das comunidades presentes e futuras. Ao mesmo tempo os quilombolas devem se fortalecer internamente para definir as agendas de governo e não serem massa de manobra dos governos e interesses particulares.

Concluindo, observamos a ausência da utilização de ações judiciais em favor dos quilombolas para garantir seus territórios e os Direitos Humanos. Instrumentos jurídicos como a ação civil pública, ações possessórias, ações ordinárias, ações de desapropriação, mandatos de segurança, ações de usucapião, ações cautelares, ação declaratória incidental e as ações de reconhecimento de domínio, poderiam ser positivas para fortalecer os direitos dos quilombolas, mas nunca foram utilizadas. Neste cenário de novo governo é preciso avançar na garantia dos direitos quilombolas, pressionando os responsáveis para respeitar os direitos quilombolas.

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