08 agosto 2007

Invisíveis necessários



Momentos após a votar contra a inclusão das cotas étnicas e raciais os membros do CEPE (Conselho de Ensino e Pesquisa - UFES) se olharão cúmplices com um riso amarelo. Darão um suspiro profundo de coisa resolvida, mas sem saber ao certo em que, afinal de contas, votaram. O tempo da votação será eterno se arrastando por minutos em conta gotas. Eles durarão mais que trezentos anos, segundo por segundo. O desejo de se livrar logo desta votação vai se tornar um fardo. Eles terão a certeza de que fizeram a coisa certa, afinal estamos na Universidade e todos aqui fazem a coisa certa. Um misto de alívio e dúvida vai acompanhar cada membro à sua casa, às lidas burocráticas, às salas de aula, à outra reunião. Enfim, à vida normal da UFES. Após iniciarem a votação, as certezas não serão tão fortes assim e muitos se perguntarão sobre o que estão fazendo ali. Em nenhum momento os rostos se olharão com firmeza, aquela firmeza da paixão, da convicção. A caneta nervosa procurando garatujas justas à ocasião. Não há convicção nesta votação, mas nós não podemos admitir isso. Os olhos apenas se esbarrão como nos elevadores dos condomínios. Sabem que nos elevadores não nos olhamos por receio do encontro desigual: sou mais ou sou menos? Este encontro burocrático mensal fortuito será hoje, mais fortuito que nunca. Será uma data a ser esquecida. Sim, o mais rápido possível. Não porque ela é só uma votação ou um rito burocrático, mas porque não tendo rosto, tem olhos e bocas. A votação do CEPE neste dia terá milhares de rostos anônimos rondando as cadeiras, os cafezinhos, a água gelada, o papel de rascunho. Os corpos negros que se encontrarão nas ruas lembrarão este dia. Um menino aqui, um adolescente ali curioso pelo que se passa aqui dentro. Não se preocupem, os negros continuarão a freqüentar a UFES. Na faxina, no corte da grama, no RU, levando memorandos de um lado para o outro. Continuarão os invisíveis necessários sem os quais não podemos ser quem somos. Os demais sentarão soturnos e noturnos em suas cadeiras cansados do dia, da falta do professor, do computador, do livro, da janta. Os olhos famintos de uma paisagem que ali eles não encontrarão, uma boca faminta que não será alimentada neste balcão. Rostos ancestrais, vontades permanentes, desejos latentes. Um desejo que há muito nos abandonou. Uma vontade que é filtrada a cada dia pela pobreza de nossos papéis. Recusando o passado, temos apenas um futuro incerto e um presente minguado pelo preço que nos pagam. Após a votação as mãos estarão transpirantes mais que o comum. O passado novamente esquecido jaz nestas nossas mentes acostumadas a repetição. Não temos passado, repetem os enunciado destas palavras mal escritas, escritas para ninguém, escritas para alegrar os sorrisos amarelos. Quisera que as canetas do mundo secassem nesta hora, evocando um momento de lucidez. Mas elas não secarão, suas tintas escorrerão como nunca calando o tempo, calando a história e as memórias. Elas fluirão como o rio caudaloso voraz e impetuoso. Terão o mar como destino o grande mar de nossos temores.

[1] Sobre as cotas na UFES. Sandro José da Silva.

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