28 abril 2008

Entre dragões e políticas públicas

Sandro Silva
São Jorge é uma das comunidades quilombolas localizada às margens do rio Cricaré em São Mateus – ES. Moram ali cerca de setenta famílias, que se espremem entre eucaliptos, cana e pasto. Em 2005 foi elaborado o Relatório de Identificação e Delimitação desta comunidade com base no Decreto 4887. Desde então, a comunidade de são Jorge é acossada pelo Movimento Paz no Campo e pela ausência de Políticas Públicas que piora a cada dia a situação de crianças e velhos incapacitados de trabalharem nas carvoarias ou no agronegócio.
Os quilombolas de São Jorge sabem que esta situação é nova: as memórias de todos remetem ao tempo, não muito distante, em que era possível andar pela terra, fazer roças na terra “a rola” e festar depois dos dias de trabalho. Nos dias santos, parar o tempo, fazer procissão e tornar a festar. São Jorge, o santo guerreiro, veio somar-se a Santa Maria, Santana, São Benedito e Santa Bárbara lembrando que as festas são boas para pensar na vida. Em São Jorge o dragão da maldade sempre foi lembrado como um inimigo presente, mas veementemente combatido. Assim, foi que numa das festas na comunidade, ao ouvirem o padre dizer que “dragões não existem”, uma liderança feminina apressou-se a dizer que ele não entendeu quem é o dragão na comunidade.
A vida não era fácil em São Jorge e depois do início do processo de reconhecimento e delimitação de suas terras as coisas pioraram a cada a dia. São Jorge é o grande desafio das políticas públicas do governo Lula, pois a comunidade está posta à margem na garantia de segurança e dos direitos humanos. O silêncio imposto pelo Movimento Paz no Campo com mentiras do tipo “vamos voltar à escravidão”, “vocês vão voltar para o cativeiro” cala até as lideranças mais presentes e quem dirá as pessoas mais velhas que já acompanham a discriminação há muito tempo.
Isso ocorre sob os olhos distraídos que chegam a aceitar nas repartições públicas os panfletos discriminatórios contra os quilombolas. O recém criado GT no Sapê do Norte arranhou as oligarquias locais, mas mostra-se ineficaz na cobrança do mínimo em termos das obrigações do governo local. É notório o despreparo para lidar com as garantias fundamentais – alimentação e saúde -, por parte destas prefeituras. No caso mais triste, a prefeitura de São Mateus recusa-se a construir um posto de saúde para atender as comunidades quilombolas em detrimento da agenda eleitoral. Sobre esta questão as lideranças são enfáticas: “estão nos matando aos poucos”.
Embora São Jorge esteja no coração dos “Territórios da Cidadania”, já não se circula livremente com medo dos assassinatos anunciados por pistoleiros nos bares da cidade. A cinqüentenária festa ao padroeiro da comunidade teve este ano apenas a missa, pois a paróquia temia por conflitos e violência. O INCRA foi desafiado a entrar no território para dar continuidade ao processo administrativo, enquanto amigos e o próprio movimento quilombola organizado teme freqüentar a comunidade.
O Dragão, ao que parece está multiplicando-se e São Jorge perde terreno nesta batalha. Agora a sombra da sociedade escravista paira em formas reais e por vezes no silêncio institucional que ameaça os direitos reconhecidos pela Constituição e pela sociedade.
O grande desafio dos poderes públicos não é titular as terras, mas reconhecer os direitos de quem até agora se equilibrou na história entre cestas básicas e bolsa isso e aquilo. Por outro lado, os salamaleques dos burocratas multiplicam as dificuldades em “novos parágrafos”, repartir os “incisos” e mudar “atribuições”, sem arranhar o verniz discriminatório. A invisibilidade, para não dizer o genocídio, parece ser o horizonte de nosso dragão, quando São Jorge anuncia:

Armas de fogo o meu corpo não alcançarão, facas e lanças se quebrem sem ao meu corpo chegar, cordas e correntes se quebrem sem ao meu corpo amarrar.

Um comentário:

Anônimo disse...

Consciência.
Somos todos diferentes,
Mas somos todos iguais.
A diferença vem de fora, vem do meio, a diferença vem do sistema, do sistema que não é meado.
Black, Black Power. Art Black Power.
E me dizem: Neguinho, pretinho, mulatinho. Ok!
As palavras não são racistas.
Racista é este sistema de sociedade.
Tem muito branco que sofre o racismo do nosso berço sociedade.
A sociedade é o berço deste reflexo.
Racismo é a arrogância como olham, como falam, como querem nos ver.
São os pré-conceitos.
O racismo está em acreditar que uns são melhores que os outros, e não que tudo tenha a sua devida importância.
Devemos ser, sim devemos, ser todos irmãos. Sempre e em uma só união.
E é por aí...
Que vamos poder andar pelas ruas,
Que vamos poder ficar em nossas casas, com menos medo , com menos medo desta violência que aí está.
Pq meu irmão:
Você também vai roubar, e talvez até matar.
E só te deixar,
com fome,
com dor,
abandono,
desespero, e opressão p/ vc ver.
Este não pode ser o berço que a sociedade deve nos oferecer.
E sabe pq?
Pq somos todos iguais, pq a igualdade vem de dentro, pq a igualdade vem do sentimento.

Escrito por Gina Fraga.