08 março 2009

Margaridas e outras flores


Brasilianas
Sábado, sete de março, 23:30h. Enquanto a tvBrasil exibe “uma questão de terra” que narra a violência no campo e a luta de Margarida Maria Alves, outra emissora da televisão aberta transmite um leilão bovino sob o rótulo “A verdadeira vocação do Brasil: o agronegócio”. Que o slogan do governo atual é um Brasil de todos já sabemos. O que incomoda é que isso é um blefe. O filme sobre Margarida Moura foi realizado entre 1986 e 1988, auge da discussão da Constituição cidadã, e palco da disputa aberta entre ruralistas e sindicatos rurais. As mudanças na legislação sobre os direitos dos trabalhadores rurais àquela época foram tachadas de um retrocesso mesmo se comparado ao Estatuto da Terra. O filme termina com a constatação de que os responsáveis pelo assassinato da sindicalista foram julgados e absolvidos enquanto o programa de leilão diz ter arrecadado cerca de dez milhões apenas na quela noite.

“nunca na história deste pais...”
Passados vinte anos a violência no campo aumentou, a fome aumentou, a concentração da terra aumentou, os assassinatos aumentaram, o endividamento do camponês aumentou, as fortunas do agronegócio aumentaram, os regimes de trabalho escravo e semi-escravo aumentaram. O que aconteceu? O Estado brasileiro não consegue cumprir a Constituição. O argumento liberal de ruralistas pela garantia da propriedade não se aplica ao dever do estado de proteger o cidadão, de resistir à violência do tirano, ou garantir a vida.
O atual governo tentou reescrever parte desta estória. Racializando a legislação pretendeu superar a desigualdade no campo por outra vertente que não a dos direitos coletivos dos trabalhadores, mas reconhecer as diferenças no acesso à terra segundo a formação histórica da população em termos étnicos-raciais: no caso os quilombolas. Aos direitos já consolidados dos indígenas como “verdadeiros donos da terra” juntariam-se os dos quilombolas aos quais o Brasil devia os anos de cativeiro. Secretarias especiais foram montadas, fundações criadas, livros lançados, palestras, seminários e todos engolidos pela agenda ruralista de milhões de hectares do mercado de terras.

Cestas básicas
Esta saída moral saiu pela culatra como atestam a virulência com que os setores ruralistas do governo reagiram. Por todo o país a reação organizada dos ruralistas teve mais eficácia em seis meses do que os capengas seis anos de Decreto presidencial 4887. A imagem do camponês incompetente em cuidar da terra dos anos setenta juntaram-se outra que afirma que “quem foi escravo não sabe ser patrão”. Os componentes desta reação ruralistas são muitas, mas ela nos alerta para um fato importante: a fragilidade das instituições democráticas do Estado brasileiro. Ou seja, a incapacidade do Estado distribuir igualmente bens produzidos coletivamente. Assim, a discussão sobre as terras quilombolas ameaça ser o maior blefe da era democrática.

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