02 setembro 2013


Caruru da vovó

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Uma estudante de Nutrição da capital de Vitória (ES) deveria fazer, como avaliação rotineira, um cardápio para um paciente com “intolerância a lactose” que fosse rica em cálcio. Ao recordar que os avós em Itaúnas [norte do estado do Espírito Santo] receitavam um guisado de Caruru (Amaranthus viridis) como alimento que fortalecia os ossos, ela resolve pesquisar as propriedades nutricionais da planta para saber se poderia aproveitá-la no cardápio. Eis que ela descobre que a planta é excelente fonte de Cálcio: uma porção chega a ter três vezes mais o mineral que um copo de leite. Contente, ela submete os resultados à professora que o recusa veementemente. O cardápio “ficou regionalizado”, argumenta a professora, ao que a aluna retruca que o paciente não foi especificado. A professora mantem o veredito e o trabalho não é aceito.
Aparentemente prosaico, este evento sugere uma série de questões tanto educacionais, quanto das relações entre ciência e saber popular. Em primeiro lugar, a hegemonia que o saber escolar adquiriu de sua associação aos saberes médicos torna completamente opaca, senão obscura, a apreciação de outras formas de saber. Em segundo lugar, até certo ponto o que estava em jogo era a autoridade deste saber médico que, sem muitos argumentos, apenas reprova outros saberes. E, por último no meu argumento, o que a professora define como “regional” é, na verdade, uma forma de excluir outras formas de promoção da alimentação saudável, de baixo custo e, mais, associada à diversidade cultural. Isto sugere que os cursos que lidam com esta interface entre ciência e alimentação estão longe de compreender a eficácia da diversidade cultural, senão como folclore de nossos avós.
Qual alimento não é regional? O que é regional? Ou, o que é regionalizável? Ou, quem é que regionaliza e por que? A regionalização tem haver com classe social? Estas questões não passam pela cabeça da professora, para a qual o mundo é plano e compartimentalizados. Ademais, a repartição deste mundo é uma das características importantes para se compreender o que significa a “regionalização”. Talvez a professora não estivesse se referindo a um determinado espaço geográfico, mas um lugar que os saberes e sua apropriação devam ter.
A razão disto é que a imagem comum atribuída ao Caruru é de que se trata de uma "erva daninha" pois nasce em lugares adversos ou que se trata de “um potente alimento, capaz de colaborar com a desnutrição das populações subdesenvolvidas”. Ora, ou as populações humanas são iguais em suas carências nutricionais, ou sua inserção como subdesenvolvidas as colocam em um patamar diferenciado de alimentos a elas atribuído: pobres, portanto, daninhas? Quero crer que não! 
Eu me pergunto se as crianças obesas e desnutridas das classes médias não mereciam um refogado de Caruru ao invés de um pacote de batatas fritas sabor churrasco. Tais crianças foram submetidas à esta arrogância científica que, na verdade, serve à indústria de produtos alimentícios e à medicalização da infância. A professora talvez imagine que elas devam consumir cápsulas de vitaminas como complemento/correção alimentar, pois estas não são regionalizáveis e não suspeitas por virem de um médico e não da vovó. 

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