13 julho 2007

No país dos que não existem


Em recente declaração o senador Gerson Camata (PMDB ES) alertou para o que chama o processo de identificação e titulação de terras quilombolas de “um direito que não existe”.[1] Que o governo federal não estava preparado para a implementação política do decreto 4887 isso sabíamos. Sabíamos também que a lógica latifundiária e escravista que orienta as ações dos deputados-latifundiários-empresários seria a de recusar a memória nacional e sacar as práticas culturais que eles desenvolveram para manter o Brasil desigual, pobre e semi-escravo.
Não nos admiram os discursos que querem denunciar contra si próprios as políticas de inclusão social do Estado. Quando se comentava em medidas reparatórias à escravidão, os primeiros a se manifestarem favoráveis foram os deputados-latifundiários-empresários que viam na abolição a perda de renda de suas fazendas. De lá para cá a história não foi diferente de maneira que amargamos números expressivos de morte entre crianças, semi-escravismo, doenças que atingem os esquecidos que o senador Camata diz que “não existem”.
Como cidadão que vota, gostaria de dizer que quem não existe são os deputados-latifundiários-empresários. Mas isso é um sonho. Enquanto sonhamos continuaremos apoiando a transformação que vem do campo. Na região em que faço pesquisa são inúmeros os casos de morte por envenenamento, morte prematura, desnutrição, fome e toda a sorte de abandono. As comunidades quilombolas de São Mateus resistem a invasão do eucalipto vivendo em diminutas parcelas de terra, impedidos de realizar suas roças, fazer suas festas e usufruírem das terras que seus avós ocuparam.
Os discurso de ataque que agora emergem de homens públicos apenas fazem eco ao autoritarismo e a recusa em perceber que há uma história da escravidão que gerou um pais desigual e envergonhado. Envergonhado de sua pobreza, envergonhado de sua mesquinhez, envergonhado de seus crimes contra crianças mortas em tenra idade, lideranças chacinados impunemente. Quando o senador Camata diz que “Tem gente se armando e se preparando para uma guerra. Estou avisando pela segunda vez, antes que algo lamentável aconteça” as comunidades quilombolas já sabem disto porque vem morrendo na mão dos deputados-latifundiários-empresários há séculos. O que está diferente agora é que eles podem afirmar uma identidade que lhes foi recusada historicamente. O decreto 4887 foi magistralmente defendido pela Deputada Federal Iriny Lopes (PT ES) numa demonstração de vigor dos que ainda pensam num país sem desigualdades.
Sonhemos com o dia em que o senador Camata subirá a tribuna do Senado e anunciará verbas para combater a fome entre os quilombolas, o julgamento e prisão de um assassino de lavradores, escolas e universidades para as comunidades negras deste país, saúde para as mães que perdem seus filhos por pouco ou nada.
Se este sonho está distante é melhor pensarmos em outro senador que nos represente melhor.


[1] http://www.senado.gov.br/agencia/ultimas/verNoticiaUltimas.aspx?codNoticia=15680

2 comentários:

Antropologia e coisa pós-punk-new-wave disse...

Sandrão,
não é surpresa para quem vive no ES á declaração do nosso digníssimo senador, um digno representante da mentalidade provinciana da maior parte das "famílias" proprietárias (literalmente) desse pequeno mundo capixaba. É realmente uma pena que a própria Universidade, inclusive o nosso departamento de CSO reproduza a mesma lógica, ignorando a existência de "vozes", em sentido "geerteano" representativas de percepções outras. Mas " se calarem a voz dos profetas, as pedras falarão". Patricia Pavesi

Gabriel Broedel Tatagiba disse...

Defende-se os empregos da Aracruz, mas não esses direitos. A humanidade de certos homens públicos tem impressionantes oscilações. Dependendo de quem é, pode ser tragedia ou estatistica. Pode ser oportunidade e prosperidade, ou populismo barato. Tudo depende de quem é.